Completamos um ano com as escolas fechadas no Brasil em
decorrĂȘncia da pandemia causada pelo Covid-19. Durante esse tempo, os
professores enfrentaram diversos desafios e foi escancarada mais ainda a infraestrutura
precĂĄria do ensino pĂșblico no nosso paĂs. Acompanhe:
Desafio 1: A falta de preparo para usar as mĂdias
digitais
Na formação docente, pouco se fala sobre o uso dos
recursos digitais. Durante a faculdade, esse tema pode até ser citado, pode-se
até fazer um planejamento usando jogos digitais ou programas de computador como
Word ou PowerPoint, a fim de apresentarmos um seminĂĄrio.
Mas a realidade Ă© bem diferente. Nem toda escola pĂșblica
tem laboratĂłrio de informĂĄtica e nem todo professor tem curso de informĂĄtica ou
mesmo um computador em casa para usar e aprender a utilizar seus recursos.
Com a pandemia, o professor teve que se virar nos 30 para
aprender a usar o Google Classroom, o Zoom, a fazer vĂdeos sem tripĂ©, sem
ringlight, sem cĂąmera de qualidade e por vezes sem ter quadro para usar em casa
ou mesmo outros recursos como fantoches para contação de histórias, a fim de
enriquecer suas aulas.
Digo por mim que nĂŁo tinha um celular com muita memĂłria,
precisei comprar um cartĂŁo de memĂłria para arquivar os vĂdeos das aulas e
tambĂ©m as fotos de atividades dos alunos e os vĂdeos deles. Por vezes, meu
celular chegava a pifar de tanto conteĂșdo e tive que pagar para consertar.
Conserto ou concerto? Aprenda a usar e diferenciar
Tive que me virar com o que estava ao meu alcance e creio
que muitos professores fizeram o mesmo. Colocava livros um sobre o outro para
apoiar o celular na altura certa, tinha que gravar de novo caso passasse uma
moto fazendo muito barulho ou se os cachorros da rua começassem a latir todos
de uma vez.
Aplicativos de edição poderiam transformar um pouco os
vĂdeos, mas tambĂ©m ocupavam um espaço que meu celular jĂĄ nĂŁo tinha. Chegou a um
ponto em que precisava apagar vĂdeos antigos para poder gravar os das aulas subsequentes.
Nem mesmo os pais conseguiam ter memĂłria para as aulas e
precisĂĄvamos ser objetivos e nĂŁo colocar vĂdeos ou ĂĄudios tĂŁo longos. O
Whatsapp foi de grande ajuda para manter contato com a famĂlia, jĂĄ que muitos
tinham dificuldade de lidar com os aplicativos e jĂĄ tinham costume de usĂĄ-lo em
seu dia a dia.
2. Falta de acesso –
ExclusĂŁo Digital
Segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de DomicĂlios
ContĂnua – Tecnologia da Informação e Comunicação (PNAD – ContĂnua - TIC)
promovida pelo IBGE em 2018, 45,960 milhÔes (quase 46 milhÔes) de brasileiros
nĂŁo tĂȘm acesso Ă internet.
Mesmo que 4 em cada 5 lares tenham acesso Ă internet,
ainda existem pessoas que não tem acesso ao serviço. Mesmo em uma casa com
internet, por vezes quem mais usa sĂŁo os filhos para o lazer, como acessar redes
sociais e ver filmes e séries.
Mesmo essa população com acesso tem dificuldade na hora
de usar Google Classroom ou de digitar um texto simples. Existe o uso
recreativo da internet, mas hå a falta de uma educação digital, tanto para os
alunos, quanto para os professores, que precisam antes aprender, para poder
ensinar.
Quando se trata dos alunos sem acesso, a situação
torna-se mais delicada. Sabemos que muitos brasileiros vivem com um salĂĄrio
mĂnimo ou menos por famĂlia. NĂŁo podem contratar um serviço de provedor de
internet, não podem pagar pela instalação, nem mesmo podem comprar um aparelho
de Wi-fi.
Até mesmo um serviço de dados móveis pré-pagos
rapidamente se esvai e a famĂlia nĂŁo tem condiçÔes de gastar dinheiro com isso,
quando a prioridade é a alimentação.
Nesses casos, geralmente a coordenação pede que o
professor adiante seu planejamento de atividades para os prĂłximos 15 dias e
pede para que os pais ou responsĂĄveis possam vir na escola buscar as
atividades.
O contato com o aluno que jĂĄ estava escasso, agora ficou
quase nulo. Mesmo mandando as orientaçÔes por escrito detalhadas, sabemos que
muitas famĂlias sĂł possuem o Ensino Fundamental ou sĂŁo analfabetas, o que
dificulta que possam ajudar a criança ou adolescente nas atividades.
Alguns professores tentam contratar pacotes de celular
que dĂŁo direito a muitos minutos de ligaçÔes e pegam os nĂșmeros dessas
famĂlias, para poder orientar mesmo Ă distĂąncia, pois o contato tem que ser
evitado por causa do perigo de transmissĂŁo do Covid-19.
Infelizmente, algumas famĂlias sequer tĂȘm celular, entĂŁo
esses alunos acabam ficando incomunicĂĄveis e mesmo que o professor vĂĄ Ă escola
a cada 15 dias orientar esses pais ou responsĂĄveis usando as medidas de
segurança possĂveis, sĂŁo muitas informaçÔes para poucos momentos disponĂveis.
A desigualdade social é escancarada através da
dificuldade que uma pessoa sem recursos enfrenta para obter seu direito
constitucional de acesso Ă educação. Os professores fazem o possĂvel e ainda
tentam ir além, para resgatar aquele aluno que estå em situação de
vulnerabilidade, mas os obstĂĄculos sĂŁo muitos.
Desafio 3: AcĂșmulo de
tarefas domésticas e falta de rede de apoio
Com as crianças sem poder ir à escola, muitas mães
acabaram abrindo mĂŁo de seus empregos para cuidar de seus filhos pequenos e
garantir que seu parceiro ou outros adultos presentes na casa possam trabalhar.
Mesmo sem o trabalho formal, o trabalho doméstico
continua demandando muito delas. Por vezes elas tĂȘm apenas um celular para
acompanhar as atividades de dois ou trĂȘs filhos ao mesmo tempo.
Esse celular pode também ser usado no caso dessa mãe ter
ficado em home office ou tente empreender para complementar a renda, com doces,
bolos ou salgados, por exemplo. Nem Ă© preciso dizer que um celular de modelo
mais simples nĂŁo tem memĂłria que suporte tantas mensagens.
As professoras que sĂŁo mĂŁes precisam se virar para dar
aulas, ensinar seus filhos e cuidar da casa e da alimentação, pois seus
companheiros muitas vezes nĂŁo conseguiram trabalhar em home office e precisam
sair.
Muitas mĂŁes contavam com a ajuda dos avĂłs para cuidar das
crianças, mas por eles serem grupo de risco, elas preferem não arriscar. Mesmo
em isolamento, elas precisam sair para comprar comida e pagar as contas de
casa, por vezes fazem o mercado dos pais idosos para evitar que eles saiam de
casa e entregam na porta deles.
Todo esse contexto que apresentei acaba cansando muito as
mulheres que nĂŁo conseguem acompanhar as atividades dos filhos em tempo hĂĄbil e
nem a própria criança consegue acompanhar, pois fica agitada de tanto ficar
sentada em frente uma tela.
A criança quer brincar, correr, ver seus amigos, muitas
são tão pequenas que haviam apenas começado a vida escolar e jå foram tiradas
do convĂvio dos outros alunos, mal tendo tempo para se adaptar Ă rotina
escolar.
ConsideraçÔes Finais
Esses foram alguns dos desafios que professores, alunos e
famĂlias enfrentaram durante 2020 e continuam enfrentando durante o ano de
2021. Nossa maior esperança para a volta às aulas é a vacinação da população,
que, nesse ritmo atual, pode levar ainda meses para cobrir todo mundo.
Sei que cada realidade Ă© Ășnica, mas quis dividir aqui um
pouco da dificuldade que os professores e alunos da rede pĂșblica brasileira
enfrentaram durante a pandemia e espero realmente que essa situação não passe
desse ano e que as escolas possam ser reabertas.
Se com as escolas abertas jĂĄ enfrentĂĄvamos muitos
problemas, com elas fechadas o sofrimento Ă© ainda maior para todos. Desejo
muita força para os colegas docentes.
NĂŁo citei os problemas com sobrecarga de trabalho,
cobranças descabidas, problemas de saĂșde mental, corte de salĂĄrios, demissĂŁo e
outros tantos senĂŁo meu texto viraria uma monografia, mas sei que eles existem
e isso me entristece muito.
Espero que voltemos ao que considerĂĄvamos normal e que a
educação pĂșblica brasileira seja mais valorizada, pois vemos o quanto foi
sofrido o perĂodo em que as escolas ficaram fechadas.
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